sexta-feira, abril 28, 2006

Dor ...

A dor até pode ser uma coisa indefinida …..ou não.

Muitas vezes ela é bem necessária, apetece-nos enrolar-nos nela, deixá-la cobrir-nos com o seu manto tecido de dúvidas, embrulharmo-nos nas suas brumas viscosas, bebermos o seu trago de fel que nos faz adormecer ao som da incerteza …

Depois, ás vezes, vem um cheiro conhecido trazido pela brisa que nos faz lembrar sonhos distantes, toca uma música no rádio que nos transporta para os braços de quem amamos e tudo se torna mais fácil, mais claro, como o romper da madrugada iluminada pelo nascer de um Sol desavergonhado, que nos chama, quase nos grita !

E como que um clarão, tudo nos passa pela memória, e a dor que nos acordou vezes sem fim durante o breu da noite, torna-se menos pesada, os ombros ficam mais descontraídos, o grito que estava para sair em torrente desgovernada torna-se num murmúrio tímido.

O riso dos pássaros que cantam a alvorada, o aroma ainda tímido das flores amarrotadas pela noite, o dançar da cortina na brisa fresca da manhã ajudam a voar das garras da dúvida.

Apetece rasgar o pensamento, esgueirar-nos, nem que por um ápice, para um abraço, um colo, um choro de alegria mesmo que com dor à mistura ….

E é nessa mesma dor, que á força de ser tão vivida, partilhada e chorada, encontramos o Amor, e nessa altura a dor quase se transforma em bálsamo !

Sy - 18.08.05 - n.e.

quinta-feira, abril 27, 2006

Solidão ...

Tinham ido passar uns dias ao Norte de Moçambique.

Naquele tempo era uma cidade fantasma. Chuvosa, barrenta, suja do pó do desalento.
O barracão fora uma igreja em tempos de fé, onde agora e de quando em vez ecoavam maravilhosos cantos clamando por uma vida melhor.

Nas frinchas das casas que outrora tinham abrigado risos de alegria, passava um vento seco escaldante que calava qualquer grito de clemência.

As prateleiras das lojas que antes ofereciam frutas suculentas e víveres em abundância colorida, estavam agora cheias de nada, cobertas por teias de incertezas e pó de abandono..

Nas ruas passeavam sombras de um passado bem próximo, antes carregadas de sonhos, agora de G3 penduradas em fardas esfarrapadas.

Um dos raros telefones ainda existentes tocou. E ele teve que partir para a Capital. Voltaria 24 horas depois. Ela decidiu ficar.

Quando voltou para casa estava só. Eram 17h00 mas o Sol ainda ia alto. Comeu, não tanto por fome mas mais para ocupar o tempo. E depois de tudo no sitio não havia mais nada para fazer. E o sol ainda estava alto. Então percebeu o significado de outra palavra . a Solidão.

Era uma coisa enorme. Era um manto tecido de amargura, de tristeza, de escuro. Sufocante, pegajoso, doentio. Tentou despi-lo mas ele teimou em agarra-se como uma lapa.

Chorou. Chorou lágrimas salgadas como ondas raivosas que tentam destruir falésias. Começou a desmoronar-se, a perceber o tamanho imensurável do silêncio. O eco da angustia era aterrador.

Apercebeu-se que os seus gritos ficavam calados, não atravessavam as grades feitas de redes de incertezas apesar de saírem do seu peito ferido com a força como de um parto. Pois era disso que se tratava. De um parto para uma nova vida, totalmente bravia, virgem de qualquer conhecimento, imaculada de qualquer sentimento.

Finalmente adormeceu em lençóis de lágrimas, fronhas de desgosto e manto de saudade velada pela Lua fria e descolorida.

Sy - 1989 - n.e.

segunda-feira, abril 24, 2006

Um belo dia ....

Um belo dia alguém se lembrou de me semear. Num jardim nas Amoreiras. Num pedaço de terra tranquilo junto a uma muito movimentada estrada, cheia de carros com gente a correr para lado nenhum.

À medida que as minhas folhas iam emergindo, dei-me conta que fazia parte de um grande jardim, com muitas flores e plantas e relva. Sonhava que depois de crescida iria ser bonito olharem para nós, tranquilizante a nossa presença, cheiroso o nosso perfume para as pessoas dentro dos carros apressados e para as pessoas que ainda andavam a pé.

Lá formámos o nosso jardim. Bem bonito. Demos abrigo a insectos que ajudavam à nossa reprodução. Demos origem a um lugar lindo à beira do inóspito asfalto, sujo, barulhento, tanto gélido como infernalmente quente.

Demos lugar a momentos breves de descanso para os olhos daquela gente atarantada de tanta confusão. Demos alguns momentos de tranquilidade àqueles emaranhados confusos de mentes sem tempo para viver na correria para a sobrevivência.

Dei alguma esperança às pessoas que passavam nas manhãs frias em que eu lhes acenava com as cores das minhas flores. Alguma coisa iluminava-lhes o olhar. Havia o esboço de um sorriso, havia o diálogo com os mais “loucos”.

Diálogo breve, mas diário :

- Está frio hoje não achas ?
- Olha, tens mais uma folha !
- Hoje, estava mesmo a precisar de te ver, estou tão triste ....

Enfim, coisas que só nós plantas e flores conseguimos ouvir destas pessoas que a vida teima em vão, em desumanizar.


Quando tudo parecia em perfeita harmonia, eis senão quando surgem umas enormes máquinas, que fizerem uns buracos do tamanho do mundo, Faziam estremecer as nossas entranhas, Fechei os olhos de tanto medo. As minhas folhas perderem o brilho, conspurcaram-se de pó, de frio, de lama. A minha flor caiu de vergonha de ver as nossas companheiras tombadas, espezinhadas, enxovalhadas naquela maré de destruição. Encolhi-me o mais que pude, o suficiente para eles acharem que tinham acabado comigo. Ali fiquei agachada, enfiada dentro de mim própria sem saber o que fazer. Ainda conseguia ouvir as tais vozes, tristes comigo por tal selva